é o tal do ócio criativo, eu acho

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Gritos ao pé do ouvido

Se não sobrasse nada pra dizer teria sido mais fácil. Mas sempre sobra. E como se não bastasse também sempre sobram os objetos, o cheiro, a música no rádio...
Ela sempre foi de falar o que viesse à cabeça, de falar muito sem pensar, e quem não pensa pra falar acaba não falando exatamente o que quer dizer. Ele é mais quieto, ouve mais do que fala, calcula cada palavra, constrói mentalmente cada figura de linguagem, mas quem pensa demais acaba perdendo o momento certo e fica sem dizer o que queria. E sempre sobra o que dizer e não é dito.
Ele escreveu e-mails, ela telefonou, ele compôs uma música no violão velho, ela se abriu pras amigas, mas sempre sobra alguma coisa.
Ontem eles se encontraram e aquela coisa que sobrava não fez falta. E eles não disseram nada, não precisava, um sabia exatamente o que outro não havia dito.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Ligação cruzada

Muuuito bom dia, você está como sempre ligadinho aqui na 1083AM, a rádio que toca o coração do Brasiiil! São 11 horas da manhã e está começando mais um João Carlos Show, seu programa de música, notícias, bate-papo e muita diversão. E chega de conversa, vamo direto para a primeira música: Princesa do Rodeio, Carlos Pires & Seixinhas. Sobe o som, Marcinho!

(Esguelam-se os dois rapazes)

Estamos de volta, vocês ouviram o novo sucesso de Carlos Pires & Seixinhas aqui na 1083AM (sobe a vinheta do programa). Esse som foi um oferecimento de Forró do Buiu, onde toda sexta você pode curtir a Noite do Cajuzinho; batida de caju por 50 centavos a noite toda e mulher entra de graça até as 11 horas. E semana que vem tem Mulher Melancia agitando a noite do Forró do Buiu, essa não dá pra perder! Um grande abraço pro Renatinho e pro Buiu que sempre deram uma força pra gente aqui.
Bom, vamô direto agora pra nossa primeira ligação:

- Alô, quem fala?
- schiiitufffffschiiiiiiiiiiiitsuuuu
- Alô, quem fala?
- schiiitufffffschiiiiiiiiiiiituffffschiiiii
- Estamos com um probleminha, vamos pra próxima lig...
- Me leva a mala amanhã então.
- Alô?
- Alô. Maciel?
- Não. Você está no João Carlos Show. Com quem eu falo?
- Alo? Quê?
- Alô, amigo, você tá me ouvindo?
- Alô? Que que tá pegando? Deu treta aê, Maciel? Então não fala nada, só ouve.
- Huuum.
- Seguinte, fechei com o filhodohomi. Tá tudo certo lá, mas vocês têm que agilizar a parada aê, véi. Manda a mala naquele esqueminha lá. Quarto 709. Mas tem que colocar na mão de uma mina firmeza, senão fode. Não vai dá mancada, pelamordedeus!
- Hum.
- Fica esperto que tem neguinho de olho. Tão desconfiando lá já. Avisa pros caras ficar na miúda. O rapaizinho do Ronald acha que o telefone dele tá grampeado. Falou pra ficá esperto.
- Sei... tufffffschiiiiiiiiiiii
- Mas não vai dá mancada! Tenho que pegar essa grana amanhã, senão fode a parada, véi! [tufffffschiiiiiiiiiiii] Desarma tudo o negócio, tem muita gente nisso, se você der mancada, vai foder todo mundo. Se eu não passar o dinheiro pro Buiu pagar o João Car...
- CAIU A LIGAÇÃO! Vamô de música, Marcinho?! Sobe o som!

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Quinta-feira

Era quinta-feira, quinzeprassete da noite. Tava um calor abafado desde de manhã, tinha feito uma tarde saariana, daquelas que dói pra respirar. E o pior de tudo é que Carol tinha ido pra uma reunião na putaqueopariu e tinha passado a tarde toda dentro de dois taxis sem ar-condicionado, se tivesse no escritório pelo menos teria o umidificador do estagiário com renite ligado no talo.
O dia de Carol, tinha começado cedo. Na verdade, tinha começado na segunda, os dias naquela semana só se separavam por 2 ou 3 horas de sono. Milhões de pepinos no trampo, carro no conserto, clientes filhosdaputa, chefe sacana, pós, doença da mãe, briga com a amiga com quem dividia o apê, enfim, não estava sendo uma boa semana.
No caminho de volta pra casa, os barzinhos estavam todos lotados, todo mundo queria tomar um chopinho honesto e justo pra refrescar a idéia e a vida. Um pessoal até tinham ligado pra ela, iam num novo boteco na Augusta, mas aquela noite seria a pra ler uns textos da pós e depois cair na cama com seu ursinho e os 18 travesseiros de estimação.
Carol, subiu no busão, desceu do busão, passou no mercado, comprou alguma coisa pra comer, chegou no apê, tomou banho, pôs o pijama, jantou, pegou os livros e começou a ler. Tudo no automático. Talvez o homem da vida dela tenha passado por ela, talvez ela tenha tropeçado numa mala de dinheiro, talvez tenha ouvido uma boa história, talvez qualquer coisa, ela nunca saberia.
Obviamente, a moçoila não conseguia se concentrar nas letrinhas do texto. "Esses caras inventam um nome diferente pra mesma coisa, escrevem meia dúzia de bobagens e enchem o cu de dinheiro", escreveu no rodapé de uma página. Tava cansada do texto, tava cansada daqueles últimos dias, tava cansada de ouvir Nelson Rubens, mas sua amiga insistia em ver tv num volume de asilo.
Ela resolver levantar e tomar uma água e niquiqui e ela passou por sua bolsa que tava no chão ao lado da cama, reparou uma coisa estranha. Aquela bolsa tinha um compartimentozinho externo aberto e bem ali tinha um papel dobrado, e ela não tinha colocado papel nenhum ali. Curiosa, Carol pegou o dito papel e abriu. Era um poeminha:

Mas que coisa esquisita
triste assim
uma moça tão bonita.


Quando ela ler isso,
não vou ver,
mas ganharei um sorriso.

Alguém, provavelmente no busão, o tinha escrito e colocado na bolsa dela e ela não tinha menor idéia de quem poderia ter sido e nem nunca saberia, ela virou musa pra alguém que por algum motivo não se conteve e teve que escrever dois versinhos bobos, mas que foram pra mais ninguém, só pra ela.
Naquela noite, Carol dormiu com seu ursinho, seus travesseiros, com o bilhetinho e com um sorriso no rosto.


ps.: Conto inspirado em um dois posts de dois blogs que li dia desses. Um deles é o Dougando e outro é o Loucuras da Mente.