é o tal do ócio criativo, eu acho

quinta-feira, 25 de março de 2010

Tamo junto, cumpadi

Jessyca, 19 anos, nascida e criada no calor desumano de Bangu, Rio de Janeiro. Corpo moreno-laje de menina carioca esperta trabalhado em bailes funk da Furacão e no samba de Padre Miguel. Ensino médio recém completo e uma esperança de quem sabe um dia cursar Educação Física na Estácio, a faculdade, não a escola de samba. Mas estudar não era lá uma grande prioridade pra menina, ela gostava mesmo é de se exibir. Jessyca parava o trânsito com seu shortinho jeans surrado, Jessyca causava tumulto quando entrava no ônibus exibindo sua barriguinha decorada com um piercing que brilhava entre os pelinhos descoloridos, Jessyca empinava ainda mais a bunda quando passava na frente do boteco do Carlinho só pra ouvir os elogios da moçada. Enfim, a moça sabia que era gostosa e usava muito bem isso.

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Harald, 26 anos, nascido no frio polar de Bodo, na Noruega, e radicado desde época de faculdade em Oslo. Desenvolvedor de softwares, o rapaz gostava de jogar futebol durante o verão, gostava de fotografar os fiordes, gostava de jogar pôquer na internet, gostava de desenvolver novos molhos para massa e gostava muito de brasileiras. Desde que viu, na adolescência, A Dama da Lotação, Sônia Braga, e consequentemente a mulher tupiniquim, virou o ideal de espécime feminino para o jovem escandinavo.


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Num belo dia, com o dinheiro que ganhou do cunhado no pôquer, Harald veio para o Brasil atrás daquilo que todo bom gringo vem procurar: samba, mulher, caipirinha, droga barata, sexo barato, praia e sol. Com cinco dias de Rio de Janeiro, o pequeno viking já tinha subido o morro, cheirado quilos de farinha, conseguido uma bela insolação, teve a máquina fotográfica roubada, encheu a cara de caipirinha na Lapa, beijou um traveco e teve a carteira limpa por uma puta; enfim, um turista típico.
Já no último dia de Brasil, o norueguês foi levado por um amigo que fez em Curicica pro samba na quadra de Padre Miguel. Ao chegar lá, camarão europeu nem percebeu o calor equatorial da quadra, o cheiro de suor e o barulho ensurdecedor. Ele queria é ver as mulatas rebolando. Harold não continha a alegria, dançava com todo mundo, gargalhava, mexia as pernas tentando sambar, sem se importar com o ridículo que todo gringo passa fazendo isso.
E pra felicidade do rapagão, mulherada é o que não faltava na festa. Lá, de todas as beldades cariocas que se esbaldavam ao som da bateria, quem mais chamava a atenção era Jessyca. Quando viu aquele corpo suado rebolando no meio da roda, Harald surtou, Era a sua própria Sônia Braga quem estava ali na sua frente. A moça dançada e olhava pra todos os homens que formavam uma rodinha ao redor dela e babavam por ela e por suas amigas.
Até que o olhar de Jessyca cruzou o olhar com Harald. Naquele rápido instante, o rapaz pensou na vida que levaria com ela na Europa, nas noites de sexo que teriam na Toscana ou em Mykonos, nas crianças que eles fariam, na inveja que despertaria nos amigos, imaginou como seria linda aquela mulher acordando. Jessyca sorriu e desviou o olhar.

Harald respirou fundo, tomou coragem e quando foi falar com ela, uma garrafa ainda cheia de cerveja voou do meio da quadra e acertou bem na testa do branquelo. Tinha começado uma briga ali do lado e ele nem percebera. Ele desmaiou e foi retirado rapidamente dali, afinal não é bom ter um gringo desacordado e com a cara sangrando no meio da quadra da escola.
Bem, depois de uma noite largado no corredor de um hospital público da região, Harald acabou sendo infectado por uma bactéria tropical raríssima que o matou de disenteria aguda em 6 horas.


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É, mané, não é porque a mulher da sua vida tá ali rebolando pra ti, que você deve se distrair, ainda mais na quadra de Padre Miguel.