é o tal do ócio criativo, eu acho

quinta-feira, 1 de junho de 2006

Folha em branco

Pense como ia ser bom se nóis fizesse um texto que ultrapassasse a barreira dos cadernos, blogs e portas de banheiro.
Assim, recheado de aforismos geniais, que resumissem a existência em algumas poucas linhas soltas, perdidas, sem linearidade, como Nietzsche, como Clarice. E que não servisse a nenhum epitáfio, comercial institucional ou qualquer coisa que o valha.
Que fosse linear e lógico, num fluxo de idéias conexas, num argumento incontestável, como Kant.
Planando leve como um carcará, acima de tudo, de todos, das nuvens Gracilianamente.
Que tivesse a ironia leve e afiada como uma rosa de Machado.
Que se reinventasse, como Guimarães.
Forte como o sertanejo de Euclides. Poético como o de João Cabral.
Visionário, como Verne.
Que tivesse proporcionalidade entre simplicidade e beleza, como Bandeira.
Que abrisse o abismo humano, como Pessoa.
Que não ficasse preso em regras, como Saramago.
Danado, como Drummond.
Que fosse libertador, como Cervantes.
Educador, como Lobato.
Mas que, sobretudo, não precisasse de recursos pobres como esses. Sem enfilerar elementos. Sem demonstrar um eruditismo que não tenho. Lingüiça cheia.
Que fosse meu sem minha assinatura.
Que estivesse lá, apenas. Atrás do mármore branco. Que já existisse em algum lugar, esperando a hora certa pra aparecer.
Que fosse como eu, como você. Universal. Maior. Lírico.
Que não tivesse medo de ser medíocre frente uma folha em branco.
Que te tocasse. Que arrancasse uma expressão de seu rosto, seja ela qual for.
Bailarino como um exército em ordem de batalha, com todas as figuras poéticas e recursos de linguagem possíveis facilmente à mão.
Metáforas, muitas metáforas, sem eufemismos.
E outros tantos substantivos adjetivados.
Palavrões e interjeições no momento exato.
Que coubesse dentro duma equação matemática. Somatória de emoções elevada a enésima potência pelo quadrado da Língua. Xis.
Que sesse forjado. Fruto do suor, saca? Tino e engenho. Sem essa de iluminação.
Que fosse novo, mesmo sabendo que tudo que havia que ter sido dito já o foi.
Que estivesse entre a terra e o céu. Contudo que, por Deus, transcendesse.
Bem como não terminasse com alguma piadinha barata.