é o tal do ócio criativo, eu acho

terça-feira, 9 de junho de 2009

A danada da musa

Eu queria ter uma prosa limpa, sem linhas cifradas. Afinal, de rebuscado basta a vida. Mas a danada da musa só faz meu texto sair assim, soluçando.
Linhas vigorosas é o que eu peço, não assim como sempre são, cheias de fleuma. Contemplativas, ficam lá, plácidas, só observando, nunca se propõem a mudar a realidade, só a relatam e analisam e reiteram e pressupõem e projetam. Assim é fácil, né?
Um texto tuberculoso, tossindo sangue como os românticos, tem como? Rá! Até parece que ele, o texto, vai se sujar com palavras cheias de fluidos só pra agradar a mim, só pra me deixar dizer que fui visceral. Ele nunca me daria esse gostinho.
Uma só vez, uminha só, eu gostaria de poder vomitar tudo, ao invés de ficar encaixando cada palavra no seu lugar, feito quebra-cabeça. Mas por mais que eu tente provocar ânsia espancando minhas amídalas pra ver se meu estômago coloca esse monte de letrinhas pra fora, meus dedos são lentos por demais pra dar conta de tanta informação, eles se perdem no teclado, se perdem na folha em branco, se perdem, se perdem. Meus dedos definitivamente não foram de um datilógrafo ou taquígrafo em nenhuma outra encarnação. Talvez eu tenha tido sérios problemas motoros em todas as outras encarnações. Tipo um carma que eu tenho que carregar, vai saber.
Mas um dia eu hei de chegar lá, e nesse dia, bem, nesse dia, eu vou escrever um calhamaço tão grande de coisas, serão horas e mais horas, dias e mais dias, sem dormir, sem comer, suando como um maratonista, até que eu seja tomado por uma lesão enorme na mão e eu nunca mais escreva nada. A não ser, claro, que eu começe desde já a treinar meu pé esquerdo.